Mitologia Popular Portuguesa
Alexandre Parafita
2021
Recolha
Comprei este livro a propósito do Clube de Leitura do Refúgio da Bruxaria, no qual tenho participado activamente e o melhor possível. Não foi o livro que tinha escolhido para estes dois meses, mas acabei por ficar agradavelmente surpreendida. Trata-se de uma recolha de histórias da cultura oral portuguesa, obtidas junto de professores, padres e pessoas que as conheciam, que - com muita pena minha - na sua maioria estavam remetidas a lares de idosos e centros de dia. Imagino que muitas delas já tenham falecido, o que me causou um certo desconforto. Com uma linguagem puramente académica, não diria que este é um livro especialmente acessível. No entanto, as histórias são extremamente interessantes e curiosas. E o mais curioso é que, nelas, encontro paralelos para uma certa bruxaria tradicional e folclórica do resto do mundo. Por exemplo, na secção das bruxas, achei altamente curioso que na tradição portuguesa elas se transformem sobretudo em patos. Noutras culturas transformar-se-iam em coelhos ou outros mamíferos. Qual será a simbologia do pato neste contexto? Uma simbologia de fertilidade e relação com os três elementos? Também nesta parte achei curioso que histórias referissem o "beijo no cu da rainha das bruxas", que também aparecia em relatos de vítimas da inquisição em séculos muito passados. O mesmo acontece na secção dos diabos, em que as suas descrições (roupas esquisitas, etc.) também correspondem a esses relatos. Também achei curioso que o diabo não apareça como um ser místico de pura maldade, mas sim como uma oposição ao bem, como o outro prato da balança. Sendo balança, tem um sentido de justiça e, nestas histórias, muitas vezes corrige os erros dos homens através dos seus poderes. Já a secção dos trasgos envia-me para um ser do folclore brasileiro, saci-pererê. Com as suas diferenças, é também um espírito traquina que faz malandrices na casa das pessoas, e também se veste com um gorro vermelho. O mesmo país tem também um lobisomem, que se cura com um "espinho de laranjeira no lombo", o que é muito semelhante à cura portuguesa (picar uma parte do corpo). No entanto, achei muito interessante que os lobisomens portugueses se transformem sobretudo em cavalos e outros animais que correm, para correr o fado o mais rápido possível. Qual será este símbolo? Finalmente, as mouras encantadas foram o objecto mais curioso da leitura, porque conhecia muito pouco das suas lendas. A sua imagem, da cobra com cabeça de mulher, lembra-me a nure-onna japonesa, embora as suas actividades sejam diferentes.
Enfim, este livro levantou-me uma questão que penso pertinente: será que as criaturas do folclore mundial representam um conjunto de medos e ansiedades comuns a toda a humanidade? Ou, existindo realmente, serão como espécies diferentes do mesmo genus, adaptadas ao ambiente em que estão? Uma leitura fascinante, e que recomendo.
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