A Morte de Virgílio
Hermann Broch
1945
Romance
Este foi um dos livros preferidos do meu pai dos últimos tempos, a ponto de ele o ter lido avidamente por mais de uma vez. Por isso, emprestou-mo para saber a minha opinião e me converter aos encantos líricos desta narrativa. Infelizmente, tal não obteve resultado, sendo que da nossa última conversa literária adveio grande encabulamento enquanto eu estava a explicar porque não estava a gostar. Penso que o meu pai ficou um pouco triste, mas passarei a explicar melhor o que achei desta obra. :)
Virgílio, a quem não saiba, foi o poeta romano que escreveu o épico "Eneida", glorificação do seu império, dos seus deuses e dos seus imperadores E QUE (!!) eu nunca li. O livro inicia-se com o seu regresso da Grécia, onde estava a passar uma temporada cultural, para que devolva o manuscrito da Eneida ao César Augusto. No entanto, o autor encontra-se muito doente.
A primeira metade do livro, que consiste na viagem até à habitação por ruas cheias de gente a sua primeira noite nesta, ardente em febre, foi o exercício mais aborrecido que li nos últimos tempos. Isto não tanto pelo conteúdo da narrativa, que acaba por ser uma contemplação bastante bela (dentro do contexto) da morte próxima e da vida enquanto reflexo da morte, mas pela forma. A forma como tudo isto está escrito é muito irritante, porque o autor repete conceitos e palavras ad nauseum, tornando esta leitura num verdadeiro pesadelo gramatical (em vez de um pesadelo astral, conforme o vivido pelo personagem). Para dar um exemplo, imaginemos que eu escrevia todas as minhas palavras escritas de uma forma bem escrita, escrevia todas as minhas palavras, sim, escrevia palavras de forma moderadamente escrita, mas todas as palavras que escreviam incluíam as palavras escrever e as palavras palavras. É mais ou menos assim por cerca de 200 páginas.
No entanto, a partir da terceira parte (segunda metade) o autor recupera-se plenamente e temos um capítulo imensamente interessante em que existe uma melhor caracterização do personagem enquanto ser vivente, baseando-se na sua relação com os outros, os seus amigos e o próprio César. Nesta parte torna-se mais evidente que existem alguns personagens que não existem neste plano, sendo a sua presença causada pela pura imaginação febril de Virgílio. Estes personagens são altamente simbólicos, talvez relatando cada uma uma parte da vida do personagem, talvez representando cada uma uma parte dos desejos do personagem, tanto que elas lhe dizem coisas que deve fazer, acções que deve tomar que fariam todo o sentido se não fossem as pessoas "reais" a impedi-lo. Esta secção é literatura pura, da mais prazerosa que li ultimanmente, com diálogos fascinantes, imagens lindíssimas e cativantes.
Depois, numa parte final muito curta, o autor volta à técnica do início (apesar de não tão evidente) e mostra a forma como Virgílio vai para "o outro lado" e encontra o deus uno e verdadeiro. Situação ligeiramente desconfortável, considerando que o senhor haveria de ser panteísta.
Um livro que me deixou muito dividida. É complexo, difícil de navegar, com uma escrita bizarra na maior parte da narrativa, mas penso que a secção da "Terra" talvez possa compensar todos estes elementos. Lá que dá vontade de ler a Eneida... Isso dá!
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ResponderEliminar...tá bom. Então empresto-te também o "AENEIDA", a versão traduzida por Agostinho da Silva que, creio, seja a mais completa que há em Português...
ResponderEliminarAo teu coment, contudo, acrescento que não podes te esquecer de que te "preveni" acerca do conteúdo, da "densidade" e de certa forma do "rococó" literário com que o Herman Brock se deleita...Minha admiração pelo texto se centra nas "imagens" dadas pela contemplação da vida e de sua inutilidade. De todo modo, o brilhantismo de tua crítica não merece reparos. Bjs.
Na questão das imagens concordo plenamente, achei apenas que a "forma", "o estilo" acabam por prevalecer um pouco sobre estas e, bem, chateou-me. :p Talvez tenha entrado no livro com uma expectativa demasiado alta, devido à tua preferência, hahaha :) De todos os modos, aguardo aeneida! Beijinhos ~
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