Os Cadernos de Dom Rigoberto
Mario Vargas Llosa
Livro
1996
Há autores bons e há autores maus. E depois há aqueles autores que se distinguem por um génio e por uma habilidade que tornam até o mais vulgar dos assuntos em arte e em beleza. Vargas Llosa é um deles e, mas uma vez, o senhor Nobel (ou seus representantes) não se enganou quando lhe atribuiu o prémio. Os Cadernos de Dom Rigoberto foi, assim, a minha primeira exposição a esta estrela da literatura, abrindo-me a porta a outros romances, outros livros e outras histórias que este senhor possa ter composto. Mas adiante.
Este é um livro erótico. Temos um homem, Dom Rigoberto, distinto Peruano, dono de acções de uma empresa de seguros. E depois temos os seus cadernos. Todas as noites, ele se levanta e analisa os seus cadernos, cheios de fantasias sexuais em que o protagonista é a sua esposa, Dona Lucrecia. No meio disto há Fonchito, seu filho de um primeiro casamento, que provocou a separação do casal.
Cada capítulo está habilidosamente dividido: uma parte fala das conversas de Fonchito com Dona Lucrecia, enquanto que ele a tenta cativar a fazer as pazes com seu pai e discorre inocentemente, num discurso infantil mas precoce, sobre Egon Shiele, pintor que modela a sua vida; outra parte é uma fantasia concretizada, quiçá apenas nos cadernos; depois temos cartas de Dom Rigoberto a diversas pessoas, cartas que ele nunca irá entregar mas que servem para o caracterizar como pessoa e habitante desta civilização que ele tanto adora como abomina; e finalmente, temos uma declaração de amor, às vezes séria, às vezes ridícula, mas vertendo paixão e adoração.
Este é um livro erótico, mas não é como a literatura homoerótica Japonesa. A sensualidade não é despoletada por descrições detalhadas dos actos, mas sim pelos sentimentos infligidos a Dom Rigoberto, dono da fantasia. E, assim, qualquer assunto, por mais banal ou assexual que seja (de gatos a urinar) se torna apaixonado, suado e voluptuoso.
Cada personagem é um universo. O trio principal, mais a criada Justiniana que serve tanto de móbil para a fantasia como de fulcro para todos os outros, são todos tão reais e tão humanos que não duvido que qualquer um deles exista e tenha inspirado o autor a este livro, certamente de forma a gozar de uma maneira estética. E o resto dos intervenientes, aqueles que existem nas fantasias de Dom Rigoberto (ou será que não?), cada um deles é delicioso, cada um deles é representante de uma população inteira mas com uma caracterização tão detalhada, e ao mesmo tempo tão simples, que também não duvido que estas pessoas tenham feito parte da vida do autor, quiçá em encontro casual ou em conversa de autocarro.
As palavras, as palavras são maravilhosas. A forma como ele utiliza o mais estranho vocabulário para ilustrar a mais simples da situação é refrescante, engraçada e, em resumo, bela.
Um livro perfeito em todos os aspectos, apesar de o tema não ser o que mais me agrade. Foi recomendação da minha mãe, e agora é minha recomendação também.
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