Como Apanhar um Marido - Sem Isca nem Golpes Baixos
João Bethencourt
1968
Ensaio (acho eu, não tenho a certeza)
Vou explicar primeiro como obtive este livro. Houve uma certa vez nas festas dos santos de Almada que o meu amigo João viu uma série de livros com nomes muito estranhos. Como custavam tipo dois euros cada um, comprou uma data deles. Este meu amigo mudou-se recentemente para Cabo Verde e na sua despedida distribui os livros por todos nós. Este foi o que me calhou em sorte. Quiçá se pense que eu necessito de um livro deste género. Talvez necessite.
Infelizmente (ou felizmente), este livro não ensina como apanhar um marido. Não é, como todos pensavam, um livro de auto-ajuda. Isto é um ensaio. Vários. Sobre coisas da vida, como turistas, adolescentes e abajures.
E é hilariante. Do início ao fim. Escrito de maneira respeitosa e oficiosa trata de todos estes assuntos com o maior tacto. Não consigo explicá-lo. Por isso vou transcrever para aqui um pequeno excerto, retirado aleatoriamente do livro. Espero que gostem tanto como eu. Obrigada João.
A falta de finalidade da TV e os fenómenos bizarros com ela relacionados, alguns dos quais assinalamos neste breve e despretensioso ensaio, levaram certos cientistas mais cautelosos a duvidar da existência da televisão como tal, atribuindo os seus efeitos a um vírus.
Assim, a TV seria uma doença endémica dos grandes centros urbanos e nervosos, transmitida por receptores que têm antenas, seis patas e um grande olho branco que se torna activo, como os mosquitos, à hora do crepúsculo.
Originária do hemisfério boreal, as suas primeiras vítimas teriam aparecido na América do Norte, depois na França, Inglaterra e outros países do Mercado Comum. A TV atacaria principalmente o cérebro e o cerebelo, apresentando a curiosa capacidade de devastar tanto gente viva como gente já falecida. Isto, aliás, seria comprovado pelo facto de algumas criações das maiores inteligências da humanidade parecerem transformar-se - quando atacadas pela TV - em fantasias infantis, tolas e sem conteúdo.
De modo geral, as pessoas afectadas de TV passam horas diante do olho branco, julgando vislumbrar aí toda a sorte de imagens, fascinantes. E não apenas pe4ssoas, mas também animais domésticos, são susceptíveis à TV, como é o caso de inúmeros gatos, ouriços, tartarugas, canários, papagaios, que acabam tão fascinados como os homens.
Um dos animais domésticos que mais gosta de TV é a mosca. É impressionante o número de vezes e a pertinácia com que a mosca costuma aparecer, seja participando das imagens que os pacientes de TV (telepacientes ou telespectadores) pensam enxergar no vídeo, seja ela mesma enxergando-as como telespectadora amiga. O facto da mosca tanto gostar de TV explica-se pela especial preferência que este curioso insecto demonstra pelas coisas em ligeiro estado de decomposição.
Diz ainda o Professor Feldwebel e seus associados (autores do relato à Royal Academy of Science) que os casos de TV são ou benignos ou malignos, podendo afectar, além do cérebro, outros órgãos. Temos assim a TV pulmonar (benigna ou maligna), a TV renal, a TV vascular (que ataca a aorta e o pericárdio), a TV do duodeno e a TV ganglionar. A TV óssea é rara; não se conhece na verdade, nenhum caso.
Certos pigmeus da Austrália e algumas tribos do Brasil Central são imunes à TV. Em compensação, particularmente vulneráveis são as crianças, as donas de casa, as senhoras de certa idade e os débeis mentais.
O paciente de TV, nos casos mais agudos, deixa de alimentar-se, desinteressa-se de tudo o que não seja TV, não quer saber mais do trabalho, nem da família, e passa os dias a contemplar o aparelho, à espera dos conjuntos de imagens aos quais dá nomes exóticos.
Nos casos mais avançados, nota-se um esvaziamento geral do cérebro e uma evidente imbecilização das faculdades. O fenómeno é perceptível tanto naqueles telepacientes que pensam que estão vendo, quanto naqueles outros que pensam que estão produzindo as imagens.
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