O Doutor Jivago
Boris Pasternak
1957
Romance
Duas coisas que não fazia há muito tempo. Uma, ler um livro desta dimensão. Seiscentas páginas de literatura pesada e complexa. Duas, ler um livro russo. Sim, seiscentas páginas pesadas, complexas e russas. Saberão certamente que, apesar de não ler frequentemente, tenho uma paixão assolapada pela literatura russa, sobretudo os clássicos. Considerando que este livro foi escrito ao longo de mais de trinta anos, começando nos anos 10, acho que o poderemos considerar um clássico. Isto poderia servir de justificação para o facto de eu ter gostado imenso desta história, mas não foi apenas por isso. É um excelente pedaço de literatura, sem tirar nem por.
A história é muito longa. Conhecemos o Doutor Jivago, Iuri Jivago, desde a sua infância até à sua morte. Numa Russia convulsionada pela revolução, primeiro a bolchevista depois a comunista, Jivago vive aventuras que nos parecem extraordinárias mas que, efectivamente, aconteceram. Não a um mas a muitos homens e mulheres que viveram por esta época. São histórias de sobrevivência, de desespero, de fuga. É a demonstração da luta pela felicidade e pela segurança em época suficientemente conturbada para não existirem perspectivas de futuro. O verdadeiro significado da expressão "viver um dia de cada vez". Para nós, que nunca estivemos perante tal situação, esta expressão parece um "sê feliz, não te preocupes com o futuro". Mas para eles, para Jivago, não havia futuro. Num dia estamos numa longa viagem de comboio com a nossa família, para escapar à miséria urbana. No dia seguinte somos raptados pelo exército e obrigados a lutar uma guerra que não é nossa.
Confesso que houve algumas partes que não pude compreender totalmente, devido ao meu desconhecimento sobre os acontecimentos da época. Pouco conheço da revolução Russa, apenas o que aprendi nas aulas de história. E mesmo assim foi muito pouca coisa. Conheço algo sobre o Gulag, devido ao livro com mesmo nome, mas isso foi pouco referido - apenas no epílogo. Fiquei curiosa para saber o que realmente aconteceu, pelo que procurarei uma não-ficção para complementar o meu parco conhecimento.
Mas nem tudo neste livro são desgraças revolucionárias. Jivago é atormentado por um amor duplo, dividido entre a sua esposa Tonia e uma mulher do passado, Larissa (Lara). A forma como esta relação dúplice está relatada, não nos faz odiar o personagem de forma alguma. Porque, neste livro, o amor é um sentimento puro, de tal forma sagrado que todas as relações fazem sentido, sem haver culpa nem necessidade de perdão.
A narrativa, muito simples e directa, é coroada por imagens extraordinárias das paisagens russas, passando por todas as estações, desde o perigoso Inverno ao ardente Verão. São imagens quase fotográficas de florestas, de céus, de animais, complementadas com sons, músicas, onomatopeias, poemas. Houve passagens que tive vontade de apontar para citar aqui, mas como este é um livro em papel (e não do Kobo), não tive maneira de o fazer. Perdi-as. Fiquei com pena.
Falando de poemas, o livro tem uma décima sétima parte que se compõe da poesia escrita por Jivago nos seus tempos de reflexão (que ainda são bastantes). Não gostei muito destes poemas, pois não transmitiam tanta beleza como a prosa do resto do livro. O que gostei mais foi o Madalena - II, apesar do seu teor religioso. Todos eles têm algo de religioso dentro deles, o que me pareceu um pouco anti-climático perante aquilo que conhecemos do personagem.
Em resumo, este livro é uma fantástica adição para a minha biblioteca. Transmite uma sensação de nostalgia e tristeza que poucas obras conseguem transcrever. É o relato pessoal de um regime injusto e demasiado real, um relato que valoriza o ser humano em detrimento de um sistema que o diminuía. Uma obra de arte. Mereceu o Nobel, mas Pasternak não o pôde aceitar. Era esse o nível de censura a que todos estavam expostos. E é graças a este tipo de literatura que se prova, uma e outra vez, que tudo isso está errado. Todas as coisas merecem ser relatadas e todas as pessoas merecem saber a verdade.
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